Publicado em: 08/08/2020 21:58:53
Vamos UNIR contra o Coronavírus!
No estado de Rondônia, as desilgualdades sociais dão um forte impulso às doenças
A julgar pelos filmes populares, as pessoas que vivem na Amazônia brasileira correm o risco constante de serem atacadas por enormes tarântulas, espremidas até a morte por sucuris gigantes e comidas vivas por piranhas vorazes. Na verdade, os verdadeiros perigos têm mais a ver com doenças tropicais como malária, cólera, dengue, febre amarela e chikungunya. E embora as doenças pudessem ser evitadas principalmente por meio de medidas modernas de saneamento e higiene, em sua maioria não estão disponíveis.
Pegue Porto Velho, por exemplo - uma cidade de meio milhão de habitantes e a capital do estado de Rondônia, no coração da Amazônia brasileira, onde menos de 1% das residências têm acesso a água tratada e esgoto adequado. E, ao invés de se responsabilizar por essas condições, as propagandas veiculadas pelo governo culpam a própria população pelos surtos de doenças, como se a falta de higiene fosse uma característica cultural e não uma questão de políticas públicas fracassadas.
O mesmo tipo de abdicação de responsabilidade ocorre quando fazendeiros próximos, fora da cidade, queimam a floresta para criar pastagens para o gado. Apesar do aumento das internações hospitalares, principalmente de crianças, decorrentes de problemas respiratórios causados pela fumaça, a posição oficial é de que os incêndios florestais são inevitáveis por causa do “desenvolvimento”. Tecnicamente correto: sem os fogos não haveria gado para exportar e sem gado os fazendeiros não teriam dinheiro para doar aos políticos (ou para ficar com eles, porque muitos dos fazendeiros são políticos )
E agora, com a chegada do COVID-19, estamos vendo um padrão semelhante. No final de julho, havia mais de 800 mortes pelo coronavírus em Rondônia. Mas COVID-19 se tornou uma questão ideológica, não apenas um problema de saúde pública. Se as pessoas usam máscaras protetoras ou se isolam ou não, depende do fato de apoiarem o presidente Jair Bolsonaro, que tem minimizado os perigos da pandemia. A linha oficial é que a ruptura econômica que resultaria de medidas agressivas contra a doença levaria mais vidas do que o próprio vírus. (Bolsonaro testou positivo recentemente, embora de acordo com um comunicado oficial ele tenha permanecido em boas condições .)
A doença em Porto Velho reflete o que já sabemos sobre as doenças na Amazônia brasileira: os mais pobres correm maior risco. Quando verificamos os dados de mobilidade fornecidos pelo Google; dados da Secretaria de Saúde do estado; e indicadores sociais como o Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas (IDH) sobre acesso a saneamento, educação e emprego, fica claro que as áreas de Porto Velho onde o cumprimento do auto-isolamento cai abaixo de 30 por cento são também as mais pobres e aquelas em que há um maior número de casos confirmados de COVID-19 confirmados.
Em suma, as pessoas mais pobres são as mais doentes. Podemos entender esses dados de duas maneiras. A primeira interpretação, avançada por administradores públicos em nível estadual, é que é sua própria culpa que as pessoas mais pobres estão vendo mais doenças. Mas moradias precárias, desnutrição e falta de emprego formal claramente não são culpa deles. Essas condições significam que os pobres não conseguem se isolar socialmente, lavar as mãos ou comprar máscaras de proteção. Eles têm pouco acesso a recursos públicos de saúde e assistência social.
O desafio passa a ser compreender os fatores estruturais que mantêm essas desigualdades e suas consequências para a saúde das pessoas, e começar a remediá-los. Só então essas comunidades não terão mais que escolher entre trabalhar e colocar a si mesmas e suas famílias em risco, por um lado, ou se isolar e morrer de fome.
Fonte: Estêvão Rafael Fernandes